Por Thalia de Sousa Pereira
A arquitetura africana possui muita diversidade, assim como a cultura de vários outros continentes, porém existe muito preconceito com a arte africana e a África em geral. A denominação africano engloba maior quantidade de raças e culturas do que a do europeu tanto é que neste continente extenso e rico culturalmente convivem mais de dez mil línguas. Diante dessa realidade e da apropriação cultural por parte dos povos brancos durante muito tempo ao longo da história, assim como ainda existe atualmente, é difícil encontrar seus traços artísticos, além de que muito material se perdeu ao longo do tempo, bem como houve a negação dessa cultura e principalmente o impedimento estrutural desses povos de aplicarem suas técnicas e serem reconhecidos por ela.
É importante enfatizar que o deslocamento desses povos como escravos não faz parte apenas da transposição de corpos, mas também de instituições culturais como a sua religiosidade, a ancestralidade, relações sociais, formas de trabalho, musicalidade, culinária, medicina, arte, arquitetura, vestuários, corporeidade, ou seja, toda uma cultura foi negada, incluindo o desenvolvimento da mesma. Cito isso, porque toda sua cultura incluindo a arquitetura faz parte de sua cosmovisão, e antes que possamos entender as suas técnicas empregadas e seu modo de construir precisamos primeiramente entender como esses povos enxergam o espaço.
A cosmovisão como forma de compreensão da Arquitetura Africana
Entender a “cosmovisão” ou “visão de mundo” africana são necessárias para ampliar a sua compreensão sobretudo quanto a arquitetura vernacular africana. A partir disso é possível evidenciar como eles constroem seus conhecimentos para acomodar seus modos de vida. Portanto, a casa, a forma e a cultura justapõem aspectos cosmológicos e simbólicos em sua forma e em relação a escolha de materiais, os fatores climáticos, geográficos e econômicos.
Conforme Alexandre Rapoport, pintor, arquiteto, desenhista e gravador brasileiro, as casas africanas são tidas como um suporte espiritual orientado pela tradição, cuja relação reflete os homens, seus antepassados e suas terras. Portanto o sagrado é muito importante para estabelecer a ordem da sociedade, do pensamento e a ordem do universo simbolicamente representados nos artefatos e construções.
Conforme Mutombo Nkulu-N’Sengha, PhD e Professor da California State University, Northridge a visão africana a cerca dos rios, riachos, lagos, chuva, montanhas e a terra apontam o que podemos denominar de EcoEspiritualidade, ou “espiritualidade do ambiente” que vai além de um mero ambientalismo sentimental, eles chegam a um princípio ético fundamental contra a poluição do meio ambiente, ou seja, poluir o meio ambiente não é algo meramente físico, mas sim uma desordem espiritual que compromete a sua interação com o meio e seu reencontro com seus ancestrais.
Como arquiteta praticante da Biomimética, compactuo com a lei irrevogável ecológica demonstrada por Janine Benyus “(…) uma espécie não pode ocupar um nicho que se aproprie de todos os recursos naturais – é preciso que haja alguma divisão. Qualquer espécie que ignore essa lei para promover sua própria expansão, acaba se autodestruindo”. Portanto a cosmovisão aplicada pela cultura africana desde Kemet (Egito Antigo) que inclusive foi o berço da Arquitetura, já pensava em como o espaço iria afetar seu entorno, por isso utilizavam os materiais provenientes de sua própria região de modo que não impactaria negativamente seu entorno, o que reflete ainda hoje em suas escolhas por técnicas Bioconstrutivas.
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As técnicas Bioconstrutivas Africanas
A Bioconstrução faz parte de técnicas construtivas que utilizam materiais de baixo impacto ambiental e podem ser aplicadas em moradias, comércios e afins. De modo geral, na arquitetura africana, independente de sua hierarquia, todos possuíam o mesmo tipo de casa, como expressão de igualdade e de pertencimento ao mesmo grupo. Os materiais comum a todos os povos é o uso intencional de barro e até fibras secas tecidas.
É interessante ressaltar que muitas pessoas pertencentes aos mais diversos grupos étnicos trabalhavam nas construções em seus países de origem, onde erigiram monumentos grandiosos, casas enormes e verdadeiras fortalezas espalhadas pelo continente africano e trouxeram consigo ao Brasil, as mais variadas técnicas de manipulação de materiais como o barro, o junco, a madeira, a pedra, a lama e o uso de óleo de baleia para as ligas da argamassa nas edificações.
Para Henrique Cunha Junior, Doutor pelo Instituto Politécnico de Lorraine – Nancy – França, o adobe, a taipa de pilão e a taipa de mão são técnicas construtivas com terra crua para casas e edifícios, encontradas em grande escala no período colonial, mas em uso até hoje brasileiro e que foram introduzidas e difundidas pelos africanos. Confira suas características abaixo:
O adobe é uma lajota feita de barro, compactados manualmente em formas de madeira, postos a secar à sombra durante certo número de dias e depois ao sol. O barro deve conter dosagem correta de argila e areia, para não ficar nem muito quebradiça, nem demasiadamente plástica. Para melhorar sua resistência, pode-se acrescentar fibras vegetais ou estrume de boi. Embora encontremos importantes construções feitas inteiramente de adobe, o material era usualmente reservado à divisórias interiores.
A taipa de pilão foi o material mais empregado nas construções coloniais no Brasil. É uma técnica de origem mourisca praticada pelos portugueses e espanhóis e conhecida também pelos negros africanos. Utilizada para alicerce e para paredes, feita com uma massa misturando terra crua, esterco animal, fibras vegetais, óleos e sangue de animais, estes são emparelhados em formas de madeiras de onde vem o nome de taipa. A técnica consiste em amassar com um pilão o barro colocado em fôrmas de madeira, semelhantes às formas de concreto utilizadas hoje. Os taipais têm somente os elementos laterais, e são estruturados por tábuas e montantes de madeira, fixados por meio de cunhas embaixo e um torniquete em cima. Após a secagem, o taipal é desmontado e deslocado para a posição vizinha. E assim sucessivamente.
A taipa de mão, ou pau-a-pique, taipa de sebe, barro armado ou taipa de sopapo, são diversos nomes para um dos sistemas mais utilizados tanto nos tempos da colônia como ainda hoje em construções rurais, devido a suas qualidades e baixíssimo custo (todos os materiais são naturais), resistência e durabilidade. Na sua versão mais depurada, consiste em uma estrutura mestre de peças de madeira, composta de esteios, baldrames e frechais. Esta trama era amarrada com cordões de seda, linho, cânhamo ou buriti. Feita a trama, o barro era jogado e apertado com as mãos, daí o nome de sopapo.
É o serviço que utiliza a pedra lavrada de maneira precisa, de modo que as peças se ajustam perfeitamente umas sobre as outras sem o auxílio de argamassa aglutinante. Para o assentamento rigoroso utilizam-se grampos metálicos e, às vezes, óleo de baleia como adesivo, para auxiliar na vedação. É um serviço sofisticado, que exige um profissional bastante habilitado chamado de canteiro.
Evidentemente a cultura africana traz consigo um legado rico e exemplar no que tange a sustentabilidade nas edificações. Na arquitetura suas técnicas e sua cosmologia como seres pertencentes à natureza, é capaz de absorver e enaltecer integrando um valor ético humano com o espaço e seus elementos. Evidentemente seu design é detentor de geometrias complexas inspiradas nas curvas da natureza capazes de gerar imersões sensoriais no espaço.
Nós da Fysis Arquitetura olhamos as concepções africanas como fonte inesgotável de inspiração e também como missão de reconhecimento e aplicação para promover espaços que se preocupam com o seu entorno, com as fundamentações sustentáveis e com o bem-estar físico e emocional de nossos clientes.
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